sexta-feira, 4 de junho de 2010

Entrevista com o Pastor R.R Soares


Alexandre Secco
Veja

ED.Nº1822

As idéias do pastor que passa três horas por dia pregando na TV sua interpretação para lá de conservadora da Bíblia

"A Bíblia fala em dez grupos de pessoas que não herdarão o reino de Deus. Entre eles estão os efeminados e os sodomitas"

O pastor evangélico Romildo Ribeiro Soares apresenta programas na televisão há mais de 25 anos. Há alguns meses, RR Soares, como ele gosta de ser chamado, estabeleceu um recorde. Ninguém tem mais tempo na TV brasileira do que ele: são quase sessenta horas por mês. Seus programas de orações ocupam cerca de três horas da programação diária da Rede Bandeirantes. São duas horas pela manhã e mais um programa de 52 minutos no horário nobre. Os horários são pagos com o dinheiro arrecadado dos fiéis. Ele conta que sua igreja está em fase de expansão. A cada dia, diz ele, abre-se um templo novo em algum lugar do Brasil. Recentemente o pastor adquiriu um terreno em São Paulo para a construção de uma sede que terá capacidade para 10 000 pessoas. Um dos principais objetivos do pastor é conseguir uma rede de televisão para combater as novelas e a programação que apela ao sexo e à violência. Nesta entrevista Soares critica as religiões e a liberação sexual, diz que faz milagres pela televisão e condena as novelas.

Veja – Seu nome é Romildo Ribeiro. RR Soares é nome artístico, não é?
Soares – Uma vez eu fui a uma igreja na favela da Rocinha. Sentei-me no meio do povo e o pastor gritou: "Romildo, vem cá!". Quando me levantei, um moreninho também se levantou. Eu falei: "Ai, Jesus!". Amanhã eu me torno pastor e esse cidadão também se torna. Os dois vão ser pastor Romildo. Vamos dizer que ele fizesse alguma coisa errada. Meu medo é que poderiam dizer: "Foi o pastor Romildo quem fez". Vamos dizer que ele tivesse se tornado um adúltero. Iam dizer que o pastor Romildo é adúltero. Daí eu é que poderia pagar o pato. Falei: "Jesus, tenho de mudar isso". Então lembrei que os americanos usam muito as siglas. Pensei em RR Soares. Se alguém colocar, tá me imitando. Eu saí na frente.

Veja – Seus programas na TV duram horas. Onde é que o senhor acha assunto para falar tanto tempo?
Soares – A Bíblia é um livro riquíssimo. Não existe nada melhor do que entender a palavra de Deus. Foi escrita por várias pessoas e é um livro só, uma mensagem só. Não tem um erro. Tudo é extremamente atual. Veja alguns exemplos. Uma passagem diz o seguinte: "O que eu vos digo em gabinete pregai em cima do telhado". De onde vem o sinal da TV? Da antena de televisão, que fica sobre o telhado.

Veja – A Bíblia já falava sobre televisão, só que de forma enviesada?
Soares – E de muito mais coisas atuais. Em uma outra passagem, um profeta fala de carros que passam furiosamente. São os automóveis. O computador também deve estar lá, porque Deus disse que todas as coisas estão guardadas com ele.

Veja – São interpretações livres do texto bíblico, como a que vê ali condenação a certos comportamentos, como a homossexualidade. O senhor também faz essa interpretação?
Soares – Sim. A Bíblia disse que Deus fez o macho e a fêmea. Não fez o terceiro sexo. O Velho Testamento faz referência aos rapazes escandalosos. Eles eram até mortos. A Bíblia fala em dez grupos de pessoas que não herdarão o reino de Deus. Entre eles estão os efeminados e os sodomitas. Eu costumo usar um exemplo. Imagine um fazendeiro que compra uma fazenda com cinqüenta vacas para fazer uma criação. Suponha que ele compre cinco touros para cobrir as vacas. Na hora, o touro senta no chão e não quer cobrir. A vaca, por sua vez, também não deixa ele cobrir. Você acaba matando o animal porque o queria para reprodução. Deus criou o sexo para procriação, além do prazer. Os homossexuais querem o sexo só para o prazer. No Apocalipse está escrito que essas pessoas não herdarão o reino de Deus.

Veja – Qual é sua justificativa para não respeitar a orientação sexual dos indivíduos?
Soares – Os homossexuais não entram no reino de Deus, a menos que se convertam. Não sou contra o homossexual. Sou contra a prática. Eu não discrimino ninguém. Quando vejo um homossexual, um gay, eu fico com dó. Devemos preservar os valores cristãos, que são heterossexuais e monogâmicos. E é fundamental defender e difundir tais comportamentos, sem deixar dúvidas. Eu, por exemplo, não ando com irmãs da igreja no meu carro. Alguém pode ver e fazer comentários: "Olha o pastor com uma mulher no carro". Se uma irmã me pede carona, eu prefiro pagar seu táxi a deixar que uma impressão dessa se difunda.

Veja – Na igreja o senhor aborda temas como sexo antes do casamento e uso de preservativos?
Soares – O sexo antes do casamento não deve existir. Isso a Bíblia chama de fornicação. O Apocalipse diz que os fornicadores provarão a segunda morte, que é a separação eterna de Deus. Por outro lado, se a pessoa quer pecar, se quer se prostituir, que corra o risco e use o preservativo. A Aids e outras doenças estão aí.

Veja – Em seus programas o senhor fala em milagres com muita naturalidade. Fala em cura de câncer, da Aids. Com todo respeito a sua fé, é difícil levar isso a sério.
Soares – E por que essas pessoas não vão investigar? Eu mostro atestados médicos.

Veja – Muita coisa já foi investigada. E muitas fraudes já foram descobertas.
Soares – Não sei. No meu ministério nada foi desmentido até hoje.

Veja – Os horários na televisão são muito caros. E não se tem notícia de milagre que faça aparecer dinheiro. O que o mantém? Talento empresarial?
Soares – Eu peço às pessoas 30 reais para ajudar a manter o programa, mas aviso que isso não garante nem bênção nem salvação. O dízimo é pedido na igreja. Nós ensinamos que Deus deve receber uma parte de tudo o que vem para a nossa mão. Estou até precisando fazer uma campanha, preciso ser um pouco mais ousado nos pedidos. Quando meus filhos eram pequenos e ganhavam algum presente, eu calculava mais ou menos quanto ele custava e dava uma parte à igreja.

Veja – Quanto o senhor recolhe em contribuições e dízimos?
Soares – O que eu posso dizer é que tem sido o suficiente. E sobre a televisão adianto que os contratos me impedem de falar em valores.

Veja – A competição no horário nobre é difícil. Como vai sua audiência?
Soares – Não estou acompanhando direito. Um dia, o dono de uma emissora concorrente ligou para dar parabéns. Disse que eu tinha atingido uma média razoável no ibope. Fico pregando das 7 da manhã até as 9 horas da noite e os técnicos da TV me filmam. São catorze horas seguidas de gravação. Os melhores momentos são levados ao ar. Estamos alcançando nossos objetivos. As pessoas estão percebendo que o programa não tem nada a ver com religião. Em toda religião o homem faz sacrifício e penitência para tentar agradar à divindade. Quem ouve a palavra do Evangelho só precisa crer.

Veja – O senhor é pastor, mas não tem uma religião?
Soares – Isso mesmo. Eu tenho uma experiência com Cristo, que pratico e vivo a toda hora. Sobre as regras, é só seguir o que a Bíblia diz. Não temos de inventar absolutamente nada. Tudo foi escrito, tudo foi registrado.

Veja – Imagino que as pessoas que vão a seus cultos pensam estar fazendo parte de uma religião.
Soares – Não. Eu explico para elas. Você não tem de ser religioso. Digo para nunca obedecerem a um homem. Nem a mim nem a homem nenhum. Existe a Bíblia. É preciso ler e entender a Bíblia.

Veja – O senhor nunca teve dúvidas, nunca duvidou de sua fé?
Soares – Nunca. A fé em Cristo é diferente, faz de você uma fortaleza. Fé mental tem em qualquer religião.

Veja – E qual sua recomendação para as pessoas que desejam alcançar essa fé?
Soares – Sugiro a todos que ouçam o que está sendo falado na minha igreja ou em outra. Sugiro que façam isso sem emitir julgamentos, sem compromisso. Grande parte do Brasil está se tornando evangélica. As pessoas precisam se misturar a esses fiéis e ver se eles estão sendo manipulados, se estão sendo coagidos ou enganados. As pessoas precisam ver por elas mesmas.

Veja – Vale qualquer igreja, a católica, a evangélica...?
Soares – Não. Eu só considero a igreja evangélica. É ali que se encontra a pregação sadia, sem interesse algum. Os pontos cardeais que orientam católicos e evangélicos até que são os mesmos, mas os católicos se desviaram muito do verdadeiro Evangelho. Todo esse culto aos santos, isso a Bíblia proíbe.

Veja – Seu plano é ter uma rede de televisão?
Soares – O bom seria montar uma rede e difundir uma programação sem violência, sem pornografia. É possível fazer isso. Por uns pontinhos a mais no ibope as pessoas contam piadas imorais, fazem gestos obscenos e outras coisas terríveis. Nossos programas lutam contra tudo isso. Depois que o Brasil conheceu a novela, a família brasileira praticamente acabou. As pessoas têm a mente fraca. Imitam o que os artistas fazem de errado. Isso acontece muito.

Veja – Não existe uma força maligna obrigando as pessoas a assistir a programas que mostrem drogas, alcoolismo, prostituição e homossexualidade. Elas fazem isso porque querem.
Soares – Eu não tenho tempo para ver novelas nem filmes, mas sei que a maioria adota tom e temática apelativos. Quando o telespectador vê uma moça mantendo um relacionamento homossexual, quando vê um cidadão que deveria ser um exemplo para a sociedade traindo a mulher, ele acha que também pode fazer isso. Acho muito triste quando um meio de comunicação de alcance nacional coloca esses tipos dentro dos lares, onde há pessoas de mente fraca que depois vão imitar o mau exemplo.

Veja – Com sua audiência inexpressiva, como o senhor pretende combater a novela?
Soares – Quando eu comecei na televisão, o Brasil tinha 2% de evangélicos. Hoje somos 20%. No passado éramos poucos e havia poucas igrejas. Era muito difícil. Os evangélicos passavam por dificuldades, existia muito preconceito. Alguns eram recebidos com pedradas. Eu mesmo enfrentei muitos xingamentos. Hoje tudo mudou, há juízes se convertendo, artistas... O Brasil está se convertendo. E sou um dos responsáveis por isso. Eu não tinha condição de comprar um aparelho de TV em preto-e-branco e hoje posso estar falando na televisão, entrando nas mansões e nos barracos.

Veja – É verdade que a cada semana o senhor começa a construir uma igreja nova?
Soares – Uma, às vezes duas. Já temos 900 igrejas. Mas não é fácil. O Brasil está numa miséria muito grande. Temos umas 200 igrejas que ainda não arrecadam o bastante para se manter. Agora estamos precisando de templos mais amplos. Eu sou obrigado a fazer várias pregações no mesmo dia porque não tenho espaço para acomodar todos. Há alguns dias compramos um terreno em São Paulo, vamos construir um templo para 10 000 pessoas.

Veja – O que o fez se tornar um pastor?
Soares – Eu sempre freqüentei a igreja. Mas no começo eu queria ser médico. Como meu pai era pedreiro, sabia que eu não teria condições de estudar. Descobri que a União Soviética dava bolsas, então comecei a estudar russo. Meu plano era me mudar para lá e estudar medicina de graça. Acabei percebendo algo diferente e abandonei essa idéia.

Veja – Esse algo diferente foi uma revelação? O senhor se lembra de como foi isso?
Soares – Um dia, uma tia que morava no Espírito Santo me telefonou dizendo que um primo meu estava internado em uma clínica, muito doente. Fui visitá-lo acompanhado de um amigo da igreja. Quando o encontramos, ele realmente estava muito mal. Nós fechamos os olhos e fizemos uma oração. Outros internos que viram aquilo também pediram orações. Nós pedimos que eles fizessem duas filas. Vi que os demônios começavam a se manifestar nas pessoas e nós os expulsávamos na hora. Dias depois minha tia telefonou avisando que o médico havia dado alta para muita gente. A clínica quase fechou. Acabei montando uma igreja em parceria com esse amigo. Não deu certo. Deixei a igreja com ele e fui fundar a Igreja Universal do Reino de Deus.

Veja – O senhor se juntou a Edir Macedo?
Soares – Ele era meu assistente. Fui eu que o consagrei pastor. Na década de 80 ele cresceu muito e eu resolvi deixar a igreja com ele. Parti mais uma vez. Ele era muito inteligente, muito capaz. Desse trabalho que fizemos no começo, eu, o Macedo e outros, é que surgiram dezenas de igrejas. Grandes movimentos de fé que se conhecem hoje começaram com a gente.

Veja – A televisão ajudou a mudar o mapa religioso do Brasil?
Soares – A televisão ajudou, mas acho que isso aconteceria de qualquer forma. O evangélico que se diz evangélico é um praticante. Católico todo mundo diz que é.

Veja – O senhor parece acreditar que a fé protege de tudo. Protege de doença, de assalto, de seqüestro...
Soares – Protege de tudo, irmão.

Veja – No Rio de Janeiro, onde o senhor mora, sua casa fica de portas abertas?
Soares – Não. Aí já é tentar a Deus.

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