sexta-feira, 21 de maio de 2010

Arquivo:Entrevista de Joana Fomm a revista Quem em Outubro de 2009


A atriz fala pela primeira vez de sua luta contra o câncer – ela teve que retirar os dois seios, submeteu-se a cinco cirurgias e, no lugar da quimioterapia, usa um medicamento que tira o vigor e a deixa sem ar. Mas Joana não desiste da vida e faz muitos planos para o futuro


Dois tumores no seio direito – foi esse o diagnóstico que a atriz Joana Fomm recebeu de sua médica no começo de 2007. Ela descobriu que precisava retirar a mama. Tentou levar a doença na base do humor, até como forma de aliviar a ansiedade pela recuperação, após a cirurgia. Um ano depois, porém, quando pensava ter vencido o drama, o câncer voltou. Dessa vez, a mamografia indicava três tumores no seio esquerdo. Uma nova cirurgia foi feita para a retirada da outra mama. “Na hora em que tiram o seio... a sensação é a de perder uma perna. Estavam tirando um pedaço de mim”, diz Joana. O humor, então, já não era o mesmo de antes. A atriz recolheu-se em casa, no Leblon, Rio de Janeiro, e só atendia os amigos por telefone. Chorou, ficou deprimida, mas não escondeu o câncer de ninguém. O medo da morte surgiu apenas após uma quinta (e demorada) cirurgia, para a reconstituição das mamas. “É impossível estar com essa doença e não pensar nisso. Fiquei imaginando que não é possível que uma pessoa, na minha idade, aguente tanta anestesia. Mas foi um pensamento passageiro”, diz ela, que está com 70 anos.

Em entrevista a QUEM, a atriz, que é mãe de Gabriel, de 34 anos, de seu relacionamento com o escritor Ricardo Gouvêa, concordou em falar pela primeira vez sobre a luta que travou contra a doença. Um tanto ofegante, efeito da medicação que precisa tomar por cinco anos, olhos marejados e voz por vezes embargada, Joana dá uma lição de vida. Sentada no sofá de sua sala, ao lado de uma estátua de Dom Quixote, ela faz planos para o futuro, dos quais constam trabalhos como a próxima novela de Gilberto Braga, que deve ir ao ar em 2010. Poderá ser a repetição de uma grande parceria – em 1978, ela brilhou como a Yolanda Pratini, de Dancin’ Days. Outro trabalho de enorme sucesso seu é a amargurada e cômica Perpétua, da novela Tieta, de Aguinaldo Silva, em 1989. “Tenho muitos planos de viver. Quando os seios estiverem bem bonitos, depois da próxima plástica, quero ir à praia de topless, para enlouquecer os paparazzi. Quero fazer topless para provar minha feminilidade”, diz, com um belo sorriso.


QUEM: Como você descobriu que estava com câncer?

JOANA FOMM: Fui fazer um exame normal, estava atrasada com meus preventivos. A médica olhou e disse: “Aqui tem uma coisa”. Achei que não devia ser nada, porque já tinha tido uns caroços antes. Mas, da maneira como ela me olhou, eu já sabia que era câncer.


QUEM: Qual foi a primeira pessoa a quem você contou sobre a doença?

JF: Um amigo meu, Radamés, me ligou quando eu estava saindo do consultório. Tínhamos marcado de ir ao teatro ver meu filho, que é músico e ia participar da orquestra da peça. Daí, atendi já falando: “Alô, estou com câncer”. Ele desligou o telefone na hora, acho que pirou junto comigo. Dois minutos depois, ligou de novo. Eu disse que não ia ao teatro. Ele insistiu e fomos. Quando cheguei lá, chamei meu filho, Gabriel, e falei do exame. Ele tentou segurar o choro, pediu para eu ir para casa, mas preferi ficar e ver a peça. Esse foi meu primeiro dia com a doença.


QUEM: Você teve câncer duas vezes seguidas. Dá para comparar as duas etapas?

JF: É muito ruim. Você não sabe que está com a doença, não sente nada... Um belo dia, faço um exame e o médico diz: “Você está com câncer”. Na primeira vez, em 2007, segurei bem, operei logo, foi tudo rápido. Pensei: “Pronto, acabou”. Tirei o seio e fizeram a plástica. Tive certeza de que estava boa. Num outro exame, um ano depois, viram que o outro seio tinha três tumores. Aí, peguei depressão. Pensar em começar tudo de novo... Nossa, foi um golpe e tanto! A impressão era de que uma pedra tinha entrado na minha cabeça e tomado conta de mim. Fiquei pálida como uma pera. Branca mesmo.


QUEM: Qual foi o pior momento da doença?

JF: Fiquei ainda mais deprimida quando não consegui fazer uma peça, que estava ensaiando, no começo de 2008. Queria provar que tinha capacidade de fazer. Fui aos ensaios, mas não aguentei ir adiante. Isso me afundou ainda mais.


QUEM: Você fez quimioterapia?

JF: Não. Tenho que tomar um remédio fortíssimo por cinco anos e fazer exames regularmente. Não perdi cabelo, nada disso... Mas fico sem fôlego. O remédio que eu tomo tira o vigor. Mas aprendi a driblar o remédio. Estou representando que estou com vigor.


QUEM: Agora, por exemplo, está representando?

JF: Represento todo dia. Faço piada, brinco... Mas é claro que é complicado. Antes de você chegar, eu estava na cama, deitada, bastante tonta. Minha pressão estava 9 por 6. Tomei um copo d’água, nem conseguia levantar a cabeça. Daí, você chegou e tive que representar que está tudo bem (risos). Mas estou reerguida. A minha professora de voz, que também teve câncer, disse que, pela minha voz, estou curada. Isso tem sentido. Quando se tem a doença, a voz diz muito sobre você. Depois que acaba, é difícil voltar à voz normal. Sair é mais difícil do que ficar doente. A gente fica embrulhada num outro clima.


QUEM: No período em que esteve doente, as pessoas se afastaram de você?

JF: Eu é que me afastei. Pedi para os amigos não ligarem, estava deprimida. A não ser que você tenha muita intimidade com a pessoa, é chato recebê-las em casa, deitada, com câncer! Arlete Salles me ligou e me fez rir, falou: “Aproveita para fazer tudo quanto é plástica, conserta tudo!” Ney Latorraca ligava direto, ficava às gargalhadas com ele no telefone. Disse que ele me curou um pouco também.


QUEM: Teve medo de morrer?

JF: Só tive medo de morrer uma vez. Fiz cinco operações ao longo do tratamento, incluindo as plásticas. A última durou sete horas, e aí veio o medo. Não é possível que uma pessoa, na minha idade, aguente tanta anestesia. Falei isso para a médica, mas ela achou que era bobagem. Foi um pensamento passageiro.


QUEM: Que lição você tira disso tudo?

JF: Todo mundo diz que tira lições de um câncer, mas eu não. Isso tudo talvez tenha me feito pensar na célula que inflama e enlouquece, mas não enlouquece sozinha, enlouquece as outras células. É um universo que funciona independentemente da gente, é uma doença da qual você não participa. Eu quis dar um caráter psicológico a ela, mas meu psicanalista quis me bater! Desculpe eu rir disso, é trágico, mas é engraçado. Quando vi os meus novos seios, pensei: “Poxa vida, no final, saí no lucro! Estão mais bonitos do que eram antes”.


QUEM: Antes da reconstituição dos seios, você conseguia se ver no espelho?

JF: Não. Fiz a cirurgia e me enrolaram toda na cama com gazes. Quando levantei, a gaze caiu. Aquilo me deixou nervosa. Tive pânico de me olhar e não ver meus seios. Chamei as enfermeiras e falei que caiu o curativo. Fiquei muito nervosa! Mas, aí, entra o lado cômico da tragédia... As enfermeiras eram minhas fãs, me reconheceram, ficaram ainda mais nervosas, não conseguiam fazer nada. Ficaram atrapalhadas. Tive um ataque de riso. Falei: “Gente, vocês estão parecendo dupla caipira. Me dá isso aqui que eu mesma coloco”. Daquele dia em diante, tive que rir da doença.


QUEM: Dizem que a retirada dos seios mexe com a feminilidade. Você sentiu essa mudança?

JF: Não me sinto menos mulher, pelo contrário. Eu me sinto mais feminina, por saber que segurei essa. Estou mais corajosa. Quero recuperar a força, acabar com esse cansaço. Na hora em que tiram o seio... a sensação é de perder uma perna. Estavam tirando um pedaço de mim. Não é mole, sabia? Mas, depois que passa, o desejo é ter um seio bacana. É uma vergonha uma mulher da minha idade falar isso, mas, na verdade, eu quero é namorar. Quero ter 120 anos e estar legal comigo mesma, não me esconder atrás de sutiãs de enchimento.


QUEM: Você está namorando?
JF: Agora não. Mas, no ano passado, sim. Namorei com seio escondido. Não ficava à vontade. Não quero falar o nome dele, mas foi uma pessoa maravilhosa durante toda a doença, ficou por perto, foi bacana, me deu muita força. Tenho muitos planos de viver. Quando os seios estiverem bem bonitos, depois da próxima plástica, quero ir à praia de topless, para enlouquecer os paparazzi. Quero fazer topless para provar minha feminilidade. Procurei o médico e falei para transformá-los em seios de atriz europeia, dessas que usam camisetas decotadas.


QUEM: Como está sendo o retorno ao trabalho?

JF: No final do ano passado, participei em Casos e Acasos e Dicas de Um Sedutor. Fiz tudo nervosíssima. A voz foi sumindo, a força também. Mas fui lá e fiz. As pessoas que viram gostaram. Mas sei que podia ter ficado melhor. Não saiu como gostaria de ter feito. Fiz agora um filme, O Gerente, do Paulo César Saraceni, ficou bem bacana. Consegui dominar a interpretação. E farei, no ano que vem, a novela do Gilberto Braga. Quero viver.


QUEM: É comum pessoas que passam por problemas como o seu se apegarem à religiosidade. Com você também foi assim?

JF: Se eu me tornei religiosa? Não, sabe por quê? Porque não tenho religião. Nunca tive. Eu não acredito em Deus, mas acredito no poder da energia positiva. Acredito em santos, por exemplo, que são caras de energia fantástica. Ainda quero contar num livro os mistérios que rondam minha vida. São coisas que aconteceram comigo, então, não posso ignorá-las, simplesmente.


QUEM: Que coisas?

JF: Quase morri de gangrena, com apendicite, quando tinha 6 anos. Quem me salvou foi um espírita, que meu tio levou até mim, após os médicos dizerem que não sabiam o que eu tinha. Depois, na adolescência, tive febre aftosa. A costureira da minha tia foi lá me rezar, nunca tinha visto uma rezadeira na vida. Quando acabou de rezar, eu já não tinha mais nada. Olha que loucura! O médico não sabia nem o que dizer.


QUEM: Teve alguma experiência assim, inexplicável, mais recentemente?

JF: Estive no Retiro dos Artistas em agosto, para ver a Dirce Migliaccio, que foi muito minha amiga. Me falaram para não ir, porque ela não reconhecia mais ninguém. Mas fui. E me assustei com a aparência dela. Perguntei: “Dirce, aqui é Joana. Você se lembra de mim?” Ela, que não falava há dias, disse: “Claro!” Quando fui embora, ela deu um grito: “Tchau”. Depois disso não falou mais nada. Foi uma despedida, e só para mim (Dirce morreu no fim de setembro). Fiquei louca de tão comovida por ela ter falado só comigo. Chorei horrores.


QUEM: A novela Tieta, que marcou época na TV, está completando 20 anos. Você sente saudade de sua personagem, a megera Perpétua?

JF: Não. Porque deixo a personagem lá no estúdio no último dia de gravação. Mas fico com certos problemas, sabe? Quando fiz Perpétua, fiquei cheia de rugas. Eu era uma pessoa toda enrugada, por causa das expressões que ela fazia. E tinha que usar sapato de padre, aquela coisa dura, que deixava os pés horrorosos. Foi um sacrifício voltar a ser eu mesma depois daquele trabalho.


QUEM: É verdade que você não gosta de falar sua idade?

JF: É, sim. Só falo minha idade para taxista, porque eles perguntam e se assustam depois que falo. “Não pode ser! Setenta?!” Morro de rir. Parei de falar em idade quando soube de uma frase ótima do Millôr Fernandes, que diz: “Depois de não existir e antes de desaparecer para sempre, a gente vive um pouco”. Idade limita a gente. Ah, não pode transar com essa idade? Por favor, né!


QUEM: Você sente que existe esse preconceito com relação à idade dos atores?

JF: Muito. Quando você diz a idade, os diretores pensam: “Vamos colocá-la para ser a tia velha da mocinha”. E nada mais que isso. A única pessoa que escapou dessa coisa horrorosa foi a Fernanda Montenegro. O resto não. Em Bang Bang (2005), acharam que o casal que formei com o Tarcísio Meira era muito velho. Olha que horror! Era um casal tão lindo...


Fonte: Revista Quem - 05/10/2009

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